Quem ouve falar em sucessão familiar geralmente imagina se tratar de uma “passagem de bastão” restrita a empresas ou famÃlias abastadas. De modo geral, o conceito é este. No entanto, ao analisar o que fundamenta essa ação, nota-se uma aplicação real na vida de todas as pessoas.
Ao que tudo indica, caminhamos para viver além dos 85 anos. Embora a longevidade seja um fato, é essencial pensar numa linha da sucessão. Nesse sentido, as seguintes questões são fundamentais:
- Transmissão de patrimônio;
- Compartilhamento de decisões;
- Garantia de prevalência sobre decisões prévias e usufruto de bens.
O patrimônio acumulado ao longo da vida pode a peça-chave para o autossustento durante a velhice. Mas a gestão desses recursos, independentemente do volume, pode depender de terceiros, principalmente considerando a eventualidade de doenças que incapacite a tomada consciente de decisões.
A forma com que cada indivÃduo chega a essa fase da vida é particular e assim deve ser tratada. Não são apenas as questões de saúde (fÃsica e mental) e as financeiras que interferem nessas questões. Outros fatores, como a estrutura familiar, existência ou não de cônjuge, filhos e herdeiros diretos, anseios previamente manifestos influenciam na sucessão. Informações como o desejo de não ser mantido vivo sob o auxilio de aparelhos, direcionamento de parcela da herança a pessoas ou instituições que não as herdeiras legais e a opção pelo local onde se deseja passar o fim da vida são pontos de reflexão. Essas questões, não tratadas com a devida antecedência, incorrem o risco de serem mal direcionadas e podem gerar graves conflitos e impasses.
Quem nunca ouviu falar em brigas por direito de herança? Contestações sobre desejos expressos em vida (não atendidos), idosos abandonados e que tiveram o patrimônio indevidamente subtraÃdo por oportunistas, dificuldades para efetuar operações financeiras em decorrência da impossibilidade legal do idoso em assinar documentos são alguns dos reflexos de uma sucessão mal planejada.
Na maioria dos casos, ouvem-se manifestações sobre a dificuldade em se estabelecer um cenário amplo sobre o que se deseja para a velhice. Nesses casos, recomenda-se efetuar a lista do que não se deseja, em hipótese alguma, e deixar isso bem registrado e acessÃvel. Há quem tenha o desejo de morar em um Lar para Idosos, de qualidade, pois prima por sua independência e pelo fato de não querer dar trabalho a ninguém. Outros, fazem essa opção por não terem ninguém a recorrer. Muitos idosos solitários insistem em continuar morando em suas residências, o que pode implicar em sérios riscos. Nesse contexto, o quanto antes elaborar o “Plano 80”, maiores as chances de ajustar tais questões com segurança.
Segundo o Dr. Eugênio Godoy, advogado especialista em temas de sucessão e famÃlia, algumas questões crÃticas devem ser objeto de análise e reflexão, de modo que o senescente possa se resguardar acerca de eventuais aborrecimentos e infortúnios futuros. São elas:
- Decisões sobre a continuidade da vida sob condições de vulnerabilidade. Nesse caso, falamos sobre o desejo ou não em se insistir em manter o indivÃduo vivo, a qualquer custo. É a opção sob aceitar ou não uma vida “vegetativa”, ou sob tratamentos e cirurgias, experimentais, por exemplo? Ou apenas sob questões mais objetivas, como definições sobre ser enterrado ou cremado e o destino de seus restos mortais.
- Decisões sobre moradia, em cada circunstância. Tomar a dianteira sobre a decisão de ser ou não internado em uma instituição especializada, caso venha a se tornar incapaz, sem deixar a dor (e culpa) dessa decisão para seus filhos. Ou, se desejar manter-se plenamente autônomo, programar com antecedência sua mudança para um imóvel mais adequado (menor, mais seguro, próximo a serviços, sem escadarias, mais em conta, etc.), não se vendo preso a propriedades inadequadas e muitas vezes onerosas de se manter. Minha mãe costumava dizer que “árvore velha não se replanta” e tem muita verdade nisso. A mudança de residência para um portador de Alzheimer é muito dura e cruel, pois lhe tiram as poucas referências que possui e sua “readaptação” torna-se bastante improvável.
- Partilha dos Bens e Usufruto, afinal, a Lei brasileira assegura que, no mÃnimo, 50% dos bens de uma pessoa falecida devam ir para seus herdeiros legais, seguindo uma cronologia, tanto na descendência, como na ascendência. Ou seja, em testamento podemos apenas apontar nossas vontades sobre metade de nosso patrimônio. E, a depender das circunstâncias e temporalidade em que efetuamos o documento, isso ainda pode ser questionado em juÃzo. O ideal é elaborarmos o testamento antes dos 70 anos. Mas existem medidas que podem atender a certos desejos, bem como assegurar o usufruto do patrimônio em vida, estabelecendo-se condicionantes aos futuros “beneficiários”.
- Outros desejos e vontades, sobretudo que consideram ações de gratificação e/ou reconhecimento de pessoas não herdeiras diretas, mas que envolvem a destinação de itens e objetos de valor sentimental ou mesmo material, mas de pequena monta, podem ser pautadas e registradas em uma espécie de “Cartas de Desejos”.
Naturalmente, os pontos acima não esgotam os temas passÃveis de manifestação de vontades, que são pessoais e se alteram conforme cada indivÃduo e contexto. O fato de se antecipar tais questões, além de possibilitar que os desejos e vontades de cada um sejam respeitados, pode aliviar o peso dos ombros de quem venha a se postar como responsável no caso de uma incapacidade. Sem dúvida é muito difÃcil e doloroso para um filho ter de decidir sobre a manutenção de uma vida assistida por equipamentos ou endereçar questões delicadas em momentos emocionalmente abalados.
Uma vez de posse deste “inventário” de desejos e vontades, o passo seguinte é escolher os meios legais de validá-los. Para que isso não seja uma tarefa dura ou em tom de prévia despedida, a sugestão é introduzir o tema em momento descontraÃdo e por aquele que parecer estar mais distante da partida. Um filho, entre seus 40/50 anos, pode, em conversa com seus pais (entre 70 e 85), sugerir as suas próprias vontades e esperar a reação deles. Começando por dizer que deseja ter seus órgãos doados (ou não), seu corpo cremado ou enterrado, que pensa em deixar sua coleção de selos para o sobrinho tal, etc. Cada um saberá o momento de indagar seus pais e buscar suas reações. Tendo o assunto ganhado corpo, pode-se recorrer ao registro dessas vontades, que podem se materializar, posteriormente, em instrumentos legais. Esses documentos certamente trarão conforto a todos.
Em linhas gerais, são 3 os instrumentos a serem utilizados, conforme o caso:
- Codicilo: utilizado, principalmente, para se abordar coisas de pequeno valor e sem importância econômica. Pode trazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre doações de pouca monta a certas e determinadas pessoas e instituições, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal.
- Diretrizes de Antecipação de Vontades – D.A.V.: usado para tratar de conteúdo não patrimonial, versando sobre temas relevantes da vida do testador. É um ato de vontade do testador sobre a disposição de seu próprio corpo a tratamentos médicos e tem eficácia anterior a sua morte; também, se contiver outras disposições, como transplantes de órgão e o destino do corpo, a os efeitos da DAV se estenderão após a sua morte. Importante: O D.A.V. pode, ainda, para efeitos legais e conforme o profissional que o assessore, ser dividido entre Testamento Vital, que traz todos os procedimentos médicos aos quais o testador quer ou não se submeter, em caso de não estar pleno em suas faculdades para decidir no ato, e o Mandato Duradouro, que consiste em se nomear uma pessoa de confiança, que deverá ser consultado pelos médicos, quando for necessário tomar alguma decisão sobre os cuidados médicos ou esclarecer alguma dúvida sobre o testamento vital, quando o outorgante não puder mais manifestar sua vontade.
- Testamento:
- Esse instrumento trata especificamente do trato e partilha dos bens/ patrimônio, dando destinação diferente das previstas por Lei, que direcionam tais ativos a quem esteja na ordem da “vocação hereditária�, que seguem uma ordem da sucessão, na qual, em primeiro lugar, os descendentes e, a depender do regime de bens, o cônjuge. Na falta de descendentes, a partilha se dá entre os ascendentes e também o cônjuge, que nesse caso é herdeiro independentemente do regime de bens.
- Qualquer pessoa fora dessa situação, se não descrita em testamento, estará automaticamente fora da herança. E, mesmo estando descrita, vale ressaltar que, obrigatoriamente, metade da herança é destinada aos “herdeiros necessários� e , apenas, metade dos bens que o testador pode, eventualmente, ser destinada a pessoas que não estejam na ordem da vocação sucessória – ou seja, amigos, outros parentes, companheiros cuja relação não foi oficializada etc.
Uma vez despertada a atenção para a necessidade de se equacionar esse tema, de modo a se evitar grandes desgastes em famÃlia, sempre é bom contar com um auxÃlio profissional. Se a famÃlia possui um advogado, recomenda-se consultá-lo para melhores encaminhamentos.
Caso sua famÃlia não disponha de um advogado, a Chronossomos oferece apoio especializado nesse sentido aos BeLongers.
Não deixe para depois a importante tarefa de pensar e equacionar o futuro próprio e o do seus pais. Ignorar o óbvio certamente trará consequências indesejáveis justamente nos momentos de maior instabilidade emocional.
Vida Longa & Próspera!
Mauro Schweizer Leite
CEO – Chronossomos
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